Na cozinha, meus pais ouvem o Papa
pelo rádio, em sua visita ao Rio de Janeiro. Na sala, minha filha e meus
sobrinhos dormem. No quarto, escrevo nesse blog porque, pela primeira vez desde
que me separei, me envolvi afetivamente com alguém e com a "sorte de
principiante", quebrei a cara (para esclarecer: não foi a primeira vez que
fiquei com alguém). Na verdade, essa decepção afetiva foi o que me fez criar o
blog, talvez para ver se existem outros homens como eu ou se sou mesmo uma
anomalia.
´É tradicional em nossa cultura
masculina o bloqueio à vivência afetiva, como se ela nos fragilizasse.
Fragiliza mesmo, afeto significa que você é afetado por algo, que não fica
indiferente nem incólume. O problema é que uma vez criados nessa dissociação
entre afetividade e masculinidade, tendemos a introjetá-la. Quando
descobrirmos que as coisas não são bem como nos ensinaram, mudá-las é um
processo que se inicia na mente racional, mas tem um longo percurso no resto do
nosso ser.
Acredito que uma das condições
essenciais para que nos tornemos homens de verdade não seja copular mas sim
aprendermos a lidar com as próprias emoções, sentimentos e afetos. Por tabela,
o que nos dá uma força de guerreiro seria exatamente o contato e o convívio com
nossas fragilidades: estou farto de presenciar atos indignos cometidos por
homens que ansiavam negar sua sensibilidade para se afirmarem como machos
[sobre isso, tem o ótimo "Enter Achilles" - foto acima - do grupo de
dança DV8: http://www.youtube.com/watch?v=5PFR2OXf9iQ].
E um dos mais indignos e violentos atos é cometido de modo
"invisível", sobre si mesmo: não dar-se o direito a sofrer por amor.
Digo isso falando de mim: mesmo pensando como exposto acima, não deixo de
sentir constrangimento ao sofrer por alguém, quando choro, então... sinto
vergonha mesmo estando sozinho.
Essa semana, ao desabafar com uma
amiga sobre essa história que não deu certo, me ouvi dizendo: "me sinto
uma secretária solteirona reclamando da vida amorosa". Sem entrar no que
há de machismo (introjetado) nessa imagem, me pego associando a uma imagem bem
depreciativa o sofrimento por amor (ou afeto, se pensarmos que a história que
originou tudo não chegou nem a configurar uma relação). Se nós, homens, não
aprendemos a lidar com nossos sentimentos e temos dificuldades em
expressá-los... Como fica uma relação formada por dois homens? Dificuldade em
dobro? Como fica quando um consegue lidar melhor com isso, e o outro não?
E por "lidar melhor com as
emoções", não me refiro simplesmente à pessoa conseguir se apaixonar. Por
vezes, isso significa exatamente o contrário: entrar na dependência emocional
não é amor nem paixão. É outra coisa, que precisamos investigar e que pode ter
motivos diferentes para cada pessoa, mas que certamente será um peso excessivo
para o outro (que já tem de lidar com as suas questões, não vai conseguir arcar
com as nossas também).
E "para ajudar", vivemos
uma contradição: de um lado, o surgimento de novos modelos de masculinidade, ou
a mescla de modelos até então contraditórios, que abrem espaço para a
sensibilidade masculina. De outro, vemos a disseminação de uma discursividade
"descolada" cujo princípio é não se apegar - seja homem ou
mulher.
Vejo os dois aspectos como amplos,
plenos de potencialidades positivas, e restringi-los a uma interpretação
maniqueísta, tentar identificar qual deles seria o bom e qual o mau, ou qual o
melhor... seria limitador. Mas me parece que rola um atrito aí (ou pelo menos
dentro de mim), que é essa eterna corda bamba entre permitir que a relação
aconteça - no que isso implica de envolvimento e de confiança no outro - e
preservar-se para não sofrer, ter de discernir a cada segundo se envolver de
cair em dependência, entre ser um "apegado retentivo" e um "emocional
de teflon"... Encontrar um caminho do meio... Só vivenciando e
experimentando, e... me parece que não há como fazer isso sem deixar alguns
pedaços pelo caminho.
Por hora é isso, tem desdobramentos do que escrevi aqui que me fazem pensar outras coisas.. material para novas postagens.
Por hora é isso, tem desdobramentos do que escrevi aqui que me fazem pensar outras coisas.. material para novas postagens.
Ah, se eu quis compartilhar isso com
você, foi porque tenho interesse em dialogar sobre o assunto... sinta-se à
vontade para manifestar pontos de vista diversos aqui, serão muito bem vindos.
Toda unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues.
Abração.
(Texto postado originalmente por mim em julho, em outro blog).
(Texto postado originalmente por mim em julho, em outro blog).
Olá!
ResponderExcluirCheguei aqui via HHP!
Li e fiquei impressionado!
Volto logo para comentar mais!
bjs
Certo, vamos fico no aguardo.
ExcluirAbração!
Ops, frase ficou confusa. Mas deu para entender.
ExcluirAbração!
primeiro post no blog! bem vindo á blogosfera e obrigado pela visita!
ResponderExcluirObrigado. Então, sou novato aqui, estou me situando.
ExcluirCurti muito teus escritos, e estou curtindo escrever.
E obrigado pela visita.
Abração!
obrigado pela visita e pelo que escreveu la no meu blog! valeu abração!
ExcluirOpa, que texto supimpa. E sim, o caminho me parece ser pelo meio. Equilíbrio sempre (o que dá margem a permitir a loucura e o teflon, ao mesmo tempo, tudo junto e misturado).
ResponderExcluirRsrsrsrs, agora falta descobrir o "como", rsrsrsrs. Abração, Eduardo, e obrigado pela visita e pelo comentário.
ExcluirOk, assumo que entrei no seu blog graças ao comentário no meu e fiquei supreso com a clareza e complexidade das idéias expostas logo no primeiro post. Então, me peguei querendo ler mais e com aquela inquietação característica que acaba dando origem a novos posts, ou rascunhos. rs Obrigado pela visita, espero poder te ver mais no meu blog e ler mais por aqui. Abraço!
ResponderExcluirObrigado, Alan. Sim, vais me ver mais, tanto aqui quanto lá. Abração!
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