quarta-feira, 19 de agosto de 2015

CHEGADAS E PARTIDAS – os que ficam e os que vão. Mas quem realmente vai? Quem realmente fica?


(Esse posto foi iniciado duas semanas antes do anterior, PENSAR COM O CORAÇÃO, mas foi concluído somente hoje).
Depois de um longo período hibernando da vida através de um anestésico eficientíssimo chamado “excesso de trabalho”, eis que decido retornar a ela. Mais tempo para a filha, para a vida pessoal e para me reconectar com o sagrado. Tempo de retomar o gosto por meus processos criativos.
E assim criei coragem e pedi demissão de meu terceiro emprego (justamente o que melhor me pagava, mas o que mais me consumia). Vieram então as férias de julho, “U-hu”, pensei, ”agora vou curtir, festear, conhecer gente legal, curtir”. Isso até aconteceu, mas também havia a expectativa de conhecer alguém que “fizesse diferença” e... Já ouviu aquele ditado “cuidado como que você pede”? Ele tem uma variação, “peça direito, se quer conhecer alguém marcante, peça também que a pessoa more no seu país e não tenha retorno marcado dentro de 10 dias”. Então, num sábado em que minha sensibilidade estava toda mobilizada por um espetáculo teatral pra lá de fantástico, conheci em um bar um moço bonito, querido, educado, gostoso, que me deu um carinho difícil de explicar (nesse quesito ele vibra na mesma frequência que eu) e por aí vai... Mas que mora nos EUA, e tinha passagem comprada para dali alguns dias.

Se o encontro já foi marcante, o que dizer das mensagens no dia seguinte, da noite que passamos juntos no terceiro dia, da proposta de ficarmos juntos no final de semana seguinte, da revelação de que cancelou seu perfil em um “Tinder” da vida depois que me conheceu e do anúncio de que a opção foi ficar comigo até o dia da partida... É quando chegamos ao mote desse texto: entra em cena um velho mecanismo que me faz sofrer muito por saber que as coisas terão um fim, uma separação, por não ter garantia de uma continuidade, etc. Recebi ótimo de carinho, excelente companhia, etc. Motivos para estar feliz com esses momentos gostosos.  No entanto, entrei num movimento de paixão e sofrimento. Por que, caralho?

Identificar que esse mecanismo está novamente em ação sempre me assusta muito: significa que toda vez que eu conhecer alguém legal vou sofrer por antecipação? Sofrerei por não ter garantias de que a pessoa vai querer continuar me vendo, etc? Dessa vez a onda me pegou de surpresa (acho que sempre esqueço que ela existe e ela sempre me pega desprevenido), o impacto foi tão forte que abalou um pouco até minha saúde: eu não estava pronto para o carinho. Por ser gato escaldado, me encontrava pronto para encontrar um gato gostoso, bons momentos de tesão, “bater o cartão” e... O tradicional “a gente se fala”. Não esperava por tanto carinho, nem por um moço que me ligasse no dia seguinte...

E nesse momento volto a circular pelos blogs e encontro (não acredito que essas coisas sejam por acaso) no blog do HHP o excelente “despedidas e encontros” (vale parar agora essa leitura, dar um pulo em http://paigay.blogspot.com.br/2015/07/despedidas-e-encontros.html e voltar depois de ter lido). E ele fala desses momentos de encontro, apego e despedida. Muito do que ele escreveu ali me fez refletir.

Por exemplo, quando afirma que o programa “ sempre "flagra" grandes despedidas e grandes encontros de pessoas que se conhecem a relativamente há pouco tempo, alguns há dias, outros há semanas... mas que demonstram estarem apaixonadíssimas! Elas parecem lidar com aquilo como uma perda, ou melhor, como um "perder-se"...” Essa questão do perder-se de si mesmo quando apaixonado... Embora a imagem poética me pareça belíssima, no sentido de um abandonar-se, de uma entrega total à paixão, ela também parece conter um desdobramento sombrio. O perder-se da própria identidade, da noção do próprio valor, empoderando totalmente o outro e percebendo a si mesmo como massa amorfa que pode e deve se moldar no objeto de desejo desse outro.

Conheço intimamente essa dinâmica, inclusive já a identifiquei e descrevi em postagens anteriores. E aí encontro um de meus grandes desafios para essa encarnação: aprender a amar o outro mantendo a nitidez da própria identidade e do próprio valor. Manter a consciência de que (também) sou composto de coisas valorosas.

Fiquei me perguntando se meu sofrimento ou apego não se torna mais difícil de resolver porque passo a me questionar se é válido, uma vez que pouco conheço a pessoa, etc. Essa necessidade de uma justificativa ou condição que valide esse sofrer por alguém... Me leva a refletir que na atualidade sofrer pelo outro ou por sua falta enfrenta uma série de discursividades contrárias, que fazem isso parecer quase uma questão patológica. Se, há algumas décadas ou séculos, poemas e canções foram escritos e admirados por expressarem o sofrimento de seus autores em função da falta do ser amado (ou de sua recusa em se fazer presente na vida daquele que sofre), na atualidade parece que enfrentamos um imperativo radicalmente oposto: é fundamental ser desejado todo o tempo, mas desejar a presença e a atenção do outro não parece encontrar um lugar legítimo em nossa cultura.

Considero natural querer ficar perto de quem nos faz sentir diferente, mas o apego também pode ser muito ruim e conduzir, por exemplo, a sentimentos de posse. O despego pode ser algo muito positivo, mas não se vincular a ninguém pode ser terrível. Essa dubiedade em que nada parecer ser bom ou mau por si só muitas vezes é de enlouquecer. De modo mais cru: estou sofrendo porque sou um cara sensível que se deixa tocar mais profundamente pelo outro ou porque sou um neurótico grudento?

Esse dilema ficou rodando na minha mente e no meu coração por dias, até que saiu a postagem “anterior/posterior”, PENSAR COM O CORAÇÃO.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

PENSAR COM O CORAÇÃO

Então, passada uma semana de minha “nova vida” (com um emprego a menos, agora só restaram dois, e muito mais tempo) percebo que não estou me tão ótimo e mais organizado como pensei que estaria. Ao contrário, ando ansioso e meio perdido. De repente, vejo que busquei conhecer homens de um modo compulsivo, por chats e aplicativos, esperando encontrar... Sei lá o que (e esse “sei lá o que” mostrou ser a chave de tudo, no fim das contas). Porque de um lado acho absurdo sair à caça do “príncipe encantado”, por outro, vejo que não estou lidando com as situações com a leveza do “enquanto não encontro o homem certo, vou curtindo os errados mesmo”. O fato, agora entendo, foi que a partir do momento em que passei a ter tempo pra vida pessoal, me deparei com um grande vazio, com uma lacuna gigantesca no lugar onde deveria haver uma.
Então foram noites mal dormidas teclando com novos conhecidos (cheguei de fato a “conhecer” alguém ali?), conferência precipitada de valor a pessoas que ainda não tinham feito nada para receberem tamanha importância... E no fundo uma recriminação silenciosa e perversa por estar me sentindo tão sozinho e carente.
E nessa retomada de vida pessoal volto a circular pela blogsfera e caio num papo com o lindo Zé Antonio, que me põe algumas questões cruciais. A primeira delas foi “como não ser carente nos dias de hoje?”. Oiiiii? Mas não é um absurdo ser carente, isso não está ligado à auto piedade, à dependência emocional e tudo o mais de ruim? Talvez não (eu nunca pensara nisso), talvez sentir-se carente seja apenas consequência natural do fato (e da consciência) de que não somos autos suficientes. Se não soubermos lidar com isso, até corremos o risco de cair na auto piedade e na dependência emocional, mas uma coisa não está automaticamente acoplada à outra.
E de repente me vejo dizendo que me sinto só porque já me sinto pronto para namorar novamente, mas não encontro um cara que me encante ou, quando encontro, não rola. Parece que tendo a me encantar pelos inatingíveis. E percebo o que acabo de dizer, que me sinto pronto para namorar. Foi ao escrever essa frase, que “pulou pra fora de mim”, que percebi que, de fato, me sinto forte e maduro para encarar de fato uma relação a dois. Até então isso não estava claro para mim e preciso assumir com clareza: o que busco é um namorado. Certamente que isso é fruto de um processo de conhecer pessoas legais, deixar rolar gradualmente, ir conhecendo o outro até que a cosia chegue num relacionamento criado “de dentro pra fora”. Não vou sair com uma pilha de formulários traçando perfil de candidatos, rsrsr. Até porque pouca gente está se candidatando a relacionamentos, hoje em dia. Ao menos nos moldes que eu quero.
E aí entra outra preciosa questão trazida pelo Zé: “mas o que tu consideras uma boa relação?”. E percebo que me deparo com um dilema interno sem ter consciência dele: que tipo de parceiro procuro? Que tipo de relação busco? Estou procurando um “príncipe encantado” idealizado, que não existe? A solução é “baixar o nível de qualidade”? Mas sinto que pra namorar, tem queme encantar, tem que fazer o coração bater forte. Senão fica aquela coisa morna, só pra não estar sozinho.
Mas, por outro lado, vejo tantos casais, que não tem como não pensar que algo de errado tem comigo. As pessoas namoram, o que estou fazendo de errado? Novamente a lucidez do Zé me traz que “Pessoas acompanhadas são felizes somente para nossos olhos... Não necessariamente estão felizes juntas!”. E lembro o choque que tantas pessoas sentiram ao saber de minha separação, porque nos viam como um casal extremamente feliz e unido, num período em que só brigávamos.
E percebo que estar triste por estar sozinho não é recalque ou amargura, é simplesmente um sentimento natural. Que por algum motivo não estou me permitindo vivenciar. Mas que é necessário, já que se fez presente no meu momento. O budismo trabalha com a ideia de abraçar as experiências – mesmo as dolorosas – para aproveitar a oportunidade de crescer com elas. Não preciso querer continuar nessa tristeza por estar só, mas agora percebo que a solidão foi um demônio que me assustou a vida toda (quando criança, não acreditava num inferno cheio de fogo, mas sim num local imenso, escuro e solitário por toda eternidade). E que essa é uma oportunidade de olhar esse bicho papão de frente, nos olhos, e caminhar em direção a ele, para poder um dia transcendê-lo.
Quanto á definição do que considero uma boa relação, quando consigo pensar com franqueza, sem julgar, sem censurar, a resposta que vem é a seguinte: companheirismo, sexo gostoso, troca cultural, o cara tem de ser bonito aos meus olhos, me encante, que eu me sinta especial através dos olhos dele.
E então vem novamente o demônio da dúvida: será que estou perseguindo um modelo idealizado? E a descoberta de que não estou respeitando o que entendo por uma relação boa, por medo de estar perseguindo algo que não existe ou algo que inatingível, como o burro correndo atrás da cenoura amarrada á sua testa. E por não estar acreditando naquilo que de fato me faz vibrar, venho me submetendo a propostas “menores”, o que tem acarretado inúmeras frustrações, de diferentes ordens.
E percebo – com ajuda – que a lógica está invertida. Ao longo da vida passei a acreditar que me sentia infeliz porque buscava um modelo de relação idealizado, que não existia. E passei a trair aquilo em que acredito, e a me contentar com menos do que é meu desejo. E agora percebo que o jogo é exatamente o oposto, acreditar no que me vai no coração (ou na mente, se é que ambos são realmente dissociados). Arriscando estar em perseguição a uma miragem. Talvez a grande aventura de viver seja essa. Até porque já tentei o outro lado dessa moeda e não deu certo.
E daí lembro da frase que um amigo postou ontem, no face:
“Não deixe de jogar por ter medo de perder”.
Pode ser clichê de auto ajuda, mas hoje faz todo sentido.


Obrigado pela visita.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

PEQUENO DIÁLOGO INTERIOR COM PALAVRAS ALHEIAS

Então percebo que minha tendência tem sido: 

"Eu queria ver no escuro do mundo 
Onde está tudo que você quer 
Pra me transformar no que te agrada 
No que me faça ver

Quais são as cores 
E as coisas pra te prender"  (Herbert Vianna)

Mas que venho me trabalhando há muito tempo para ser, cada vez mais:

“Só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas… E, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro.” (Lou Andreas-Salomé)


Fim da história.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Então... Dia dos pais!

Hoje o texto vai sair bem confuso, pois não estou redigindo, revendo e reescrevendo.

Desde meus 20 anos percebo que tenho uma atitude paternal com meus amigos. Em 2013 conversava com um camarada "das antigas" e contei que a paternidade foia grande experiência da minha vida, quando ele largou essa: "Grande novidade! Nos anos 80 já comentávamos que tu nasceu para ser pai, pelo modo como cuidavas dos amigos". Aquilo foi uma surpresa para mim, embora eu entendesse o que ele dizia. De algum modo isso retornou à minha mente no último final de semana.

Então... chegou o dia dos pais. Em meio ao turbilhão que está minha vida, gerando muita ansiedade porque eu queria curtir muito esse dia ao lado da minha filha e ao mesmo tempo sentia que estava muito ansioso, ausente de mim. E alguns fatores não ajudaram: a amiga que, na noite anterior, bebeu demais e brigou comigo de modo agressivo,  constrangendo toda mesa. Ou a chuva do domingo, ou a filha que estava estranhamente distante naquele dia, preferindo brincar com os primos a ficar mais comigo. E eu carente e ansioso, rsrsrs. Na outra ponta dessa questão de paternidades, meu pai, que tem demonstrado considerável dificuldade em compartilhar alguns momentos conosco: assim que pode, foge para o quarto de ver televisão e fica por lá.

Mas eu estava decidido a serenar o coração e desfrutar da companhia daquela pessoinha, pois sabia que ao final da tarde teria de levá-la para a casa da mãe. E na segunda metade da tarde ela também serenou e curtiu comigo. E chegou o temido final de tarde e a levei para a mãe, seguindo depois para a casa de uma amiga que me chamou para tomar um café. E foi lá que se deu um daqueles presentões que a vida nos dábem no momento em que precisamos, e que tem um efeito bombástico. Minha amiga, com a irmã, preparou uma mesa de café de dia dos pais para me esperar, e me recebeu dizendo: "como não temos mais pai, tu és o mais próximo de um pai, não só para nós mas também para (citou amigas cujo pai já falecera ou que não conheceram seus pais), além do paizão maravilhoso que tu és para tua filha".

E tudo veio à minha mente, então: o modo como me relaciono e cuido de meus amigos. A aluna que disse "Eu não tive pai, mas tua filha vai ser uma grande filha, porque tu és um grande pai. E um grande professor". a angústia que tenho sentido porque meu pai não consegue compartilhar seus momentos conosco,  a relação que desenvolvemos eu e minha filha, e... Fico um pouco mais tranquilo com toda essa questão de meu pai, porque meu grande medo é que seu tempo esteja terminando e não estejamos aproveitando o tempo que nos resta (não entrarei em detalhes sobre isso), mas sei eu essa referência de paternalidade veio da relação que eu e meu pai desenvolvemos. Ele está misturado dentro de mim, carrego ele (ou essa herança que me deixou) sob a pele, misturado no sangue, nas fibras dos músculos. E então me sinto em paz, porque sei que, mesmo que eu não consiga que ele assista um filme ao meu lado,  e apesar do medo de uma partida repentina, nosso tempo de convívio já está internalizado em mim, o tempo que tivemos juntos já está muito bem aproveitado e presente na estrutura do meu ser.

Penso nos textos que o HHP escreveu sobe sua relação com o pai, e penso na importância e nos diferentes papéis ou funções que essa relação pode ganhar na nossa constituição de homens que amam homens e que são ou desejam ser pais. Porque pai, homossexualidade e paternidade são três áreas campos muito profundos e amplos da masculinidade.

Ainda pensando sobre isso... Continuo depois.

Abraços!

PS - Dessa vez não revisei, escrevi e estou publicando. Amanhã certamente verei toneladas de erros e os repararei.

domingo, 27 de julho de 2014

Poema do Mia Couto

Então, ainda no clima da postagem anterior, encontro um poema do Mia Couto (encontro é modo de dizer: um amigo postou no face) e tive de trazê-lo para cá.

"Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.
A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos."
Mia Couto - 'O Espelho', no livro "Idades, Cidades e Divindades", Editora Caminho, Lisboa, Portugal, 2007.

terça-feira, 22 de julho de 2014

ENTÃO É “ÀS GANHAS”[i]?


Ultimamente tenho experimentado um tipo de inquietação a cada vez que me olho no espelho: olheiras, sinais do tempo eu ontem não estavam lá, agora marcam sua presença de modo beeeeem enfático. De início encarei como algo temporário, consequência da sobrecarga de trabalho (no início desse ano minha jornada praticamente dobrou). “Quando voltar a dormir bem isso some”, pensei. Até o momento foram poucas as noites com mais de 6 horas de sono, mas percebi que talvez não seja bem como pensei: não se trata de um sinal passageiro, algo “que não deveria estar ali, que surgiu por um equívoco que será reparado”: as coisas estão certas, e tão em seu lugar, inclusive as marcas do tempo: estou com 43 anos.
Percebo como isso me assusta, para além da vaidade: está me mostrando que o tempo está passando, de verdade, sem volta. Vejo isso a cada sinal positivo ou negativo: cada demonstração de desenvolvimento de minha filha, cada mostra de que meu corpo requer mais cuidado, a cada vez que me vejo mantendo o equilíbrio em situações que há pouco tempo me abalavam profundamente, e assim por diante. Olho para minhas últimas publicações aqui e vejo o quanto isso me parece distante... “Mas foi há pouco mais de meio ano!”. Entendo que toda história do paulista tenha sido uma espécie de “portal” para mim, que coisas mudaram profundamente a partir daquela experiência, mas ainda encontro dificuldade em entender como aquilo pode se tornar assim tão importante... E em meio todos esses questionamentos passo novamente diante do espelho e levo outro susto.
“Esse não é mais o rosto que sempre vi no espelho”, penso eu. E percebi, hoje, que essa afirmação parte de uma inverdade: nunca houve um rosto que sempre vi no espelho, assim como nunca houve uma mesma relação (no sentido de constância) com a imagem refletida. Desde a infância, passando por diversas fases da vida, mudou constantemente o “gostar ou não gostar” da própria imagem, os modos de apreciação de si mesmo, o sentimento de vazio e tantas outras variações dessa cosia tão complexa que é a relação com a visão de si. O princípio budista do desapego se revela para mim de outro modo: não apenas se desapegar da vaidade, mas de uma espécie de identidade que também muda a cada dia. O homem que em 2013 não sabia como administraria sua vida pessoal e profissional de recém-separado, que se deslumbrou em se redescobrir bonito e atraindo olhares de outros homens (e passou pela cama de vários desses), que buscava se divertir sem esperar muito dos outros e “quebrou a cara” porque se apaixonou e esperou muito de quem não poderia lhe dar mais... Esse homem deu vez a um outro, que ainda não sei bem reconhecer. Um outro que está muito absorvido pelo trabalho, que busca estruturar sua vida de outro modo, que já saiu do “estado provisório” de quem separou há pouco. Que sente com clareza a necessidade de uma relação com troca afetiva consistente, que já não se abala com qualquer elogio ou demonstração de valorização. Mas que também tem seus dias em que passa horas de pau duro, louco para trepar com um cara bem gostoso e de bom papo.
De um modo estranho, um tanto surpreendente para mim, me sinto retornando à vida. MAS EU NEM SABIA QUE NÃO ME SENTIA VIVO!!!! Pois é, eu estava vivo sim, mas cuidando de um lado que ficou “descoberto” por muito tempo. Que eu neguei (talvez por toda vida): o da questão material. Nunca faltou nada a mim nem à minha família, mas chegou o momento de querer um pouco mais, de batalhar para ter um pouco mais. E percebo que esse foi um doa aspectos pelos quais o paulista me marcou muito: o lado batalhador, de conquistas materiais. E foi desse aspecto que cuidei nessa primeira metade do ano. Só que todos os outros aspectos ficaram carentes, precisando de atenção. Hora de encontrar o centramento, o equilíbrio, de se dar tempo de conviver com os amigos, de conhecer gente legal, de vivenciar a sexualidade, tudo de modo harmônico, sem que as balanças tenham de pender tanto somente para um prato.
E curtir muito meu hoje: esse homem quarentão que o espelho me mostra e que, mesmo sem ter mais a cara de guri que ostentou até há pouco, me agrada bastante. Tenho de vivê-lo tanto quanto puder, pois amanhã um outro me aguarda no espelho, diferente, com outras marcas, outras perdas mas também outros ganhos.  E ele também não ficará ali para sempre... E se tem algo que continuou, constante, desde o menino que fui, é a curiosidade em saber e saborear todos esses outros eus que a vida (e o espelho) guardam para me surpreender a cada dia.
Até a próxima.


[i] Expressão usada no Sul (não sei se em todo Brasil a utilizam) para o jogo de bolinha de gude. Significa que as bolinhas perdidas na partida pertencerão, definitivamente, ao vencedor. Não serão devolvidas ao final da partida.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

DIGNIDADE E PAZ DE ESPÍRITO

Sem maiores reflexões, só quero registrar um fato: a imensa paz de espírito que venho sentindo desde domingo, a sensação de harmonia interna, de paz. Em 2013 minha vida poderia ter virado um caos, tantas esferas a dar conta, tantas crises aconteceram. A sensação de gratidão é gigantesca, à energia superior que nos rege (independente do nome que cada um dê), aos amigos (virtuais ou presenciais) e familiares. Por fim, ao poeta e ao guerreiro que existe dentro de mim, que se recusou a deixar de ver beleza na vida, do mesmo modo que se recusou a desistir da batalha! Porque as crises ocorreram, minhas escolhas ou minha percepção nem sempre foram as mais indicadas ou sensatas, mas acabo o ano orgulhoso do modo como consegui lidar com isso tudo, dentro de minhas limitações.

Que 2014 permita essa sensação de dignidade e de paz de espírito a todos!

FELIZ ANO NOVO!