No domingo passado estava eu num
café, digerindo a questão do paulista (Não, hoje não é sobre ele que falarei...
Me dei uma folga, o que é parte do processo de cura), quando ouvi a conversa de
5 ou 6 rapazes sentados na mesa ao lado. Não que eu costume ouvir o papo dos
outros, mas as mesas eram realmente muito próximas, daí...
Eram todos gays, na faixa dos 30
anos, e o diálogo foi mais ou menos:
-Eu realmente fico desconcertado...
Tento entender, mas isso não entra na minha cabeça. Porque ele (vamos chamar de
X) primeiro namorou o Felipe... e depois namorou o Carlos. Não adianta, eu não
sei como lidar com isso. Não estou conseguindo deixar rolar naturalmente.
- É, às vezes saber muito da
história da pessoa até atrapalha.
E por aí seguiu o papo. Por mais
que eu respeite a privacidade alheia, já estava curiosíssimo para saber qual era
a questão: será que Felipe e Carlos foram namorados no passado, e o rapaz de
quem falamos namorou um depois do outro, causando ressentimentos?
Não, nada disso. No desenrolar da
conversa, descobri que o tal Felipe é exclusivamente passivo, e o Carlo,
exclusivamente ativo. Logo, X era o quê? E o rapaz que iniciou a conversa
estava ficando com X, e estava curtindo, mas não conseguia deixar a coisa fluir
porque não conseguia conceber o X sendo passivo om um e ativo om outro. Num
certo momento ele chegou a verbalizar:
- Eu também acho que o ideal
seria se se todos fizessem os dois papéis, mas... (e não terminou a frase).
Isso me fez pensar no meu pai,
que faz um esforço danado para respeitar a homossexualidade do filho, mas não a
entende, porque ele gosta de mulher (ao mesmo ele assim afirma, rsrsrs) e tem dificuldade
de entender como outro homem pode gostar de outra coisa. Mas ele tem 70 anos e
vem de outra geração. Ao ver rapazes gays mais jovens que eu (tenho 42) numa situação
paralela a essa, penso m duas questões:
1.
Na dificuldade que temos em aceitar o “diferente
do padrão”, mesmo que nós, de algum modo, também sejamos diferentes de um
padrão hegemônico. O fato de estarmos fora de um padrão nos coloca totalmente
libertos de condicionamentos, mas revela que desdobramos rótulos e
classificações dentro da cultura da minoria ou diferença da qual participamos. Não
nos conformamos ao padrão hegemônico segundo o qual um casal só pode ser
formado por sexos diferentes, mas (muitos de nós) ainda concebemos as relações formadas
por dois homens como condicionadas á identificação em papéis diferentes, bem distintos
e FIXOS.
2.
O chamado papel “passivo” permanece envolto numa
aura de mistério e um tabu. Algo nele ainda incomoda.
Sobre o primeiro ponto, lembrei
de Carlos Scliar, um autor que pesquisa a questão da diferença, quando este diz
que nossa maior dificuldade está em conceber os lugares de fronteira, ou os “entre
lugares”: É homem ou é mulher? É hetero ou é gay? É ativo ou é passivo? E por
aí vai. Fiquei pensando no dilema daquele rapaz do café: ele encontrou um cara
legal, de quem estava gostando, eles estavam se encontrando e, pelo que
entendi, as coisas estavam gostosas... Mas ele estava se travando porque tentava
imaginar o rapaz fazendo outro papel, diferente do que desempenhava com ele nos
encontros. A transa entre os dois estava boa, o fantasma era o que X havia feito
com outro homem, no passado. Tive vontade de contar ao rapaz eu, mesmo quando
sou somente ativo com dois homens diferentes (ou quando sou somente passivo)
não estou desempenhando o mesmo papel: o jogo é único, fruto da química entre
os jogadores. Não sou ativo do mesmo modo com A e com B, a única coisa em comum
é que sou eu que introduzo o pênis no parceiro, mas que a partir disso existe
todo um universo, variações, infinitas possibilidades no modo de as coisas
acontecerem.
E que sendo oque hoje em dia se
chama de “versátil”, o parceiro ideal para mim também teria de ser versátil. Se
concordo em ficar apenas em um, porque meu parceiro não é versátil, é porque a
companhia é realmente especial. Não se trata de “me conformar”, mas de
considerar a companhia tão rica que compensa a limitação de papéis. Portanto,
se X gostou de comer o fulano e de dar para o beltrano, isso pouco importa. Queria
ter dito àquele rapaz que o fato presente é que X estava encontrando-o,
repetidamente, portanto esta curtindo sua companhia. O está valorizando. Mas
não está sendo valorizado, e isso pode pôr toda uma história legal a perder.
Esse ponto do “entre lugares” me
remete também á questão da bissexualidade, mas sobre isso escreverei em outra
postagem, para não perder o foco.
E como o texto está ficando
longo, tratarei do segundo ponto na próxima postagem.
Abração a todos!
PQP! Você consegue tocar em assuntos complicados de um modo tão direto e tão honesto que juro, só me dá vontade de sentar numa mesa de bar com uma cerveja e deixar o papo fluir. Hahahhaa Engraçado é que tu tocou num assunto um tanto espinhento e que eu mesmo já tentei desenvolver no meu blog, talvez não com tanta desenvoltura, mas enfim, se tiver sem fazer nada procura nos meus arquivos um texto chamado "Uma questão de relatividade". rs O ponto é que tempos atrás eu estava comentando com uma amiga exatamente isso: a necessidade extrema de rótulos para nos sentirmos seguros e consequentemente surgiu as ramificações sexuais existentes. O mais divertido foi que mesmo dentro das ramificações, acabamos não considerando os aspectos afetivos, mas sempre os anatômicos relacionados ao ato sexual ou a sexualidade em si. Eu mesmo, sou gay, prefiro nitidamente meninos, namoro um e sou feliz assim, mas em tempos de solteirice pegava meninas também. Não, não sou bissexual, nem me apego ao rótulo de homo e acredito que existam sim pessoas que consigam transitar tranquilamente pela "Escala de Kinsey", um lado meu quase os admira. rs Mas é inegável que desejo é algo cheio de ângulos, que não pode em momento algum ser julgado, só sentido e aproveitado. Aproveito para agradecer as visitas no blog. Tem me dado um ânimo novo pra escrever e teus escritos me dando o que pensar. Hahaha Abraço!
ResponderExcluirObrigado. Então, vamos marcar um papo virtual uma hora dessas. Skype e cerveja, rsrsrsrs. Postei outro, agora há pouco, desdobramento daquele, e posto último agora. Saio de tarde com a filha, mas de noite volto e procuro teu texto lá no teu blog. Ah, que bom se etá sendo estimulante para escreveres, também. Curto muito teus escritos. Abração!
ExcluirAhhh, esqueci: ouvir conversas da mesa ao lado sem poder evitar: dando origem a posts desde sempre! rs
ResponderExcluirUrsão gaúcho, másculo, totalflex, 42... Daqui a pouco temos o perfil completo! :-)
ResponderExcluir"... eu, mesmo quando sou somente ativo com dois homens diferentes (ou quando sou somente passivo) não estou desempenhando o mesmo papel (...) Se concordo em ficar apenas em um, porque meu parceiro não é versátil, é porque a companhia é realmente especial." Putz, assino embaixo e reconheço em cartório por autenticidade!