(Esse posto foi iniciado duas semanas antes do anterior, PENSAR COM O CORAÇÃO,
mas foi concluído somente hoje).
Depois de um longo período hibernando da vida através de um anestésico
eficientíssimo chamado “excesso de trabalho”, eis que decido retornar a ela.
Mais tempo para a filha, para a vida pessoal e para me reconectar com o
sagrado. Tempo de retomar o gosto por meus processos criativos.
E assim criei coragem e pedi demissão de meu terceiro emprego (justamente
o que melhor me pagava, mas o que mais me consumia). Vieram então as férias de
julho, “U-hu”, pensei, ”agora vou curtir, festear, conhecer gente legal,
curtir”. Isso até aconteceu, mas também havia a expectativa de conhecer alguém
que “fizesse diferença” e... Já ouviu aquele ditado “cuidado como que você
pede”? Ele tem uma variação, “peça direito, se quer conhecer alguém marcante,
peça também que a pessoa more no seu país e não tenha retorno marcado dentro de
10 dias”. Então, num sábado em que minha sensibilidade estava toda mobilizada
por um espetáculo teatral pra lá de fantástico, conheci em um bar um moço
bonito, querido, educado, gostoso, que me deu um carinho difícil de explicar (nesse
quesito ele vibra na mesma frequência que eu) e por aí vai... Mas que mora nos
EUA, e tinha passagem comprada para dali alguns dias.
Se o encontro já foi marcante, o que dizer das mensagens no dia
seguinte, da noite que passamos juntos no terceiro dia, da proposta de ficarmos
juntos no final de semana seguinte, da revelação de que cancelou seu perfil em
um “Tinder” da vida depois que me conheceu e do anúncio de que a opção foi
ficar comigo até o dia da partida... É quando chegamos ao mote desse texto:
entra em cena um velho mecanismo que me faz sofrer muito por saber que as
coisas terão um fim, uma separação, por não ter garantia de uma continuidade,
etc. Recebi ótimo de carinho, excelente companhia, etc. Motivos para estar
feliz com esses momentos gostosos. No
entanto, entrei num movimento de paixão e sofrimento. Por que, caralho?
Identificar que esse mecanismo está novamente em ação sempre me assusta
muito: significa que toda vez que eu conhecer alguém legal vou sofrer por
antecipação? Sofrerei por não ter garantias de que a pessoa vai querer
continuar me vendo, etc? Dessa vez a onda me pegou de surpresa (acho que sempre
esqueço que ela existe e ela sempre me pega desprevenido), o impacto foi tão
forte que abalou um pouco até minha saúde: eu não estava pronto para o carinho.
Por ser gato escaldado, me encontrava pronto para encontrar um gato gostoso,
bons momentos de tesão, “bater o cartão” e... O tradicional “a gente se fala”.
Não esperava por tanto carinho, nem por um moço que me ligasse no dia
seguinte...
E nesse momento volto a circular pelos blogs e encontro (não acredito que
essas coisas sejam por acaso) no blog do HHP o excelente “despedidas e
encontros” (vale parar agora essa leitura, dar um pulo em http://paigay.blogspot.com.br/2015/07/despedidas-e-encontros.html
e voltar depois de ter lido). E ele fala desses momentos de encontro, apego e
despedida. Muito do que ele escreveu ali me fez refletir.
Por exemplo, quando afirma que o programa “ sempre "flagra"
grandes despedidas e grandes encontros de pessoas que se conhecem a
relativamente há pouco tempo, alguns há dias, outros há semanas... mas que
demonstram estarem apaixonadíssimas! Elas parecem lidar com aquilo como uma
perda, ou melhor, como um "perder-se"...” Essa questão do perder-se
de si mesmo quando apaixonado... Embora a imagem poética me pareça belíssima,
no sentido de um abandonar-se, de uma entrega total à paixão, ela também parece
conter um desdobramento sombrio. O perder-se da própria identidade, da noção do
próprio valor, empoderando totalmente o outro e percebendo a si mesmo como
massa amorfa que pode e deve se moldar no objeto de desejo desse outro.
Conheço intimamente essa dinâmica, inclusive já a identifiquei e
descrevi em postagens anteriores. E aí encontro um de meus grandes desafios
para essa encarnação: aprender a amar o outro mantendo a nitidez da própria
identidade e do próprio valor. Manter a consciência de que (também) sou
composto de coisas valorosas.
Fiquei me perguntando se meu sofrimento ou apego não se torna mais
difícil de resolver porque passo a me questionar se é válido, uma vez que pouco
conheço a pessoa, etc. Essa necessidade de uma justificativa ou condição que
valide esse sofrer por alguém... Me leva a refletir que na atualidade sofrer
pelo outro ou por sua falta enfrenta uma série de discursividades contrárias,
que fazem isso parecer quase uma questão patológica. Se, há algumas décadas ou
séculos, poemas e canções foram escritos e admirados por expressarem o
sofrimento de seus autores em função da falta do ser amado (ou de sua recusa em
se fazer presente na vida daquele que sofre), na atualidade parece que
enfrentamos um imperativo radicalmente oposto: é fundamental ser desejado todo
o tempo, mas desejar a presença e a atenção do outro não parece encontrar um
lugar legítimo em nossa cultura.
Considero natural querer ficar perto de quem nos faz sentir diferente,
mas o apego também pode ser muito ruim e conduzir, por exemplo, a sentimentos
de posse. O despego pode ser algo muito positivo, mas não se vincular a ninguém
pode ser terrível. Essa dubiedade em que nada parecer ser bom ou mau por si só
muitas vezes é de enlouquecer. De modo mais cru: estou sofrendo porque sou um
cara sensível que se deixa tocar mais profundamente pelo outro ou porque sou um
neurótico grudento?
Esse dilema ficou rodando na minha mente e no meu coração por dias, até
que saiu a postagem “anterior/posterior”, PENSAR COM O CORAÇÃO.