Ultimamente
tenho experimentado um tipo de inquietação a cada vez que me olho no espelho:
olheiras, sinais do tempo eu ontem não estavam lá, agora marcam sua presença de
modo beeeeem enfático. De início encarei como algo temporário, consequência da
sobrecarga de trabalho (no início desse ano minha jornada praticamente dobrou).
“Quando voltar a dormir bem isso some”, pensei. Até o momento foram poucas as
noites com mais de 6 horas de sono, mas percebi que talvez não seja bem como
pensei: não se trata de um sinal passageiro, algo “que não deveria estar ali, que
surgiu por um equívoco que será reparado”: as coisas estão certas, e tão em seu
lugar, inclusive as marcas do tempo: estou com 43 anos.
Percebo como
isso me assusta, para além da vaidade: está me mostrando que o tempo está
passando, de verdade, sem volta. Vejo isso a cada sinal positivo ou negativo:
cada demonstração de desenvolvimento de minha filha, cada mostra de que meu
corpo requer mais cuidado, a cada vez que me vejo mantendo o equilíbrio em
situações que há pouco tempo me abalavam profundamente, e assim por diante.
Olho para minhas últimas publicações aqui e vejo o quanto isso me parece
distante... “Mas foi há pouco mais de meio ano!”. Entendo que toda história do
paulista tenha sido uma espécie de “portal” para mim, que coisas mudaram
profundamente a partir daquela experiência, mas ainda encontro dificuldade em
entender como aquilo pode se tornar assim tão importante... E em meio todos
esses questionamentos passo novamente diante do espelho e levo outro susto.
“Esse não é
mais o rosto que sempre vi no espelho”, penso eu. E percebi, hoje, que essa
afirmação parte de uma inverdade: nunca houve um rosto que sempre vi no
espelho, assim como nunca houve uma mesma relação (no sentido de constância) com
a imagem refletida. Desde a infância, passando por diversas fases da vida,
mudou constantemente o “gostar ou não gostar” da própria imagem, os modos de
apreciação de si mesmo, o sentimento de vazio e tantas outras variações dessa
cosia tão complexa que é a relação com a visão de si. O princípio budista do
desapego se revela para mim de outro modo: não apenas se desapegar da vaidade, mas
de uma espécie de identidade que também muda a cada dia. O homem que em 2013
não sabia como administraria sua vida pessoal e profissional de recém-separado,
que se deslumbrou em se redescobrir bonito e atraindo olhares de outros homens
(e passou pela cama de vários desses), que buscava se divertir sem esperar
muito dos outros e “quebrou a cara” porque se apaixonou e esperou muito de quem
não poderia lhe dar mais... Esse homem deu vez a um outro, que ainda não sei
bem reconhecer. Um outro que está muito absorvido pelo trabalho, que busca
estruturar sua vida de outro modo, que já saiu do “estado provisório” de quem
separou há pouco. Que sente com clareza a necessidade de uma relação com troca
afetiva consistente, que já não se abala com qualquer elogio ou demonstração de
valorização. Mas que também tem seus dias em que passa horas de pau duro, louco
para trepar com um cara bem gostoso e de bom papo.
De um modo
estranho, um tanto surpreendente para mim, me sinto retornando à vida. MAS EU
NEM SABIA QUE NÃO ME SENTIA VIVO!!!! Pois é, eu estava vivo sim, mas cuidando
de um lado que ficou “descoberto” por muito tempo. Que eu neguei (talvez por
toda vida): o da questão material. Nunca faltou nada a mim nem à minha família,
mas chegou o momento de querer um pouco mais, de batalhar para ter um pouco mais.
E percebo que esse foi um doa aspectos pelos quais o paulista me marcou muito:
o lado batalhador, de conquistas materiais. E foi desse aspecto que cuidei
nessa primeira metade do ano. Só que todos os outros aspectos ficaram carentes,
precisando de atenção. Hora de encontrar o centramento, o equilíbrio, de se dar
tempo de conviver com os amigos, de conhecer gente legal, de vivenciar a
sexualidade, tudo de modo harmônico, sem que as balanças tenham de pender tanto
somente para um prato.
E curtir muito
meu hoje: esse homem quarentão que o espelho me mostra e que, mesmo sem ter mais
a cara de guri que ostentou até há pouco, me agrada bastante. Tenho de vivê-lo
tanto quanto puder, pois amanhã um outro me aguarda no espelho, diferente, com outras
marcas, outras perdas mas também outros ganhos. E ele também não ficará ali para sempre... E
se tem algo que continuou, constante, desde o menino que fui, é a curiosidade
em saber e saborear todos esses outros eus que a vida (e o espelho) guardam
para me surpreender a cada dia.
Até a próxima.
[i]
Expressão usada no Sul (não sei se em todo Brasil a utilizam) para o jogo de
bolinha de gude. Significa que as bolinhas perdidas na partida pertencerão,
definitivamente, ao vencedor. Não serão devolvidas ao final da partida.